PERMITO-ME NA ALEGRIA
Como
começar a dizer sobre algo que paira sobre os pensamentos? Os meus pensamentos.
Como tão bem escreveu Clarice Lispector “É curioso como não sei dizer quem sou.
Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer,
porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que
sinto se transforma lentamente no que eu digo.”
Mas,
assim mesmo, atrevo-me a dizer, embora sabendo que ao falar em cartas escritas
estou a provocar mudanças em mim e a quem possa ler o que de dentro do meu
ser salta para o exterior. Não sou apenas espectadora dos meus próprios pensamentos,
mas, sou também ação, e vejo o desejo no qual estou mergulhada, o desejo que em Platão, pode ser
entendido como a busca pelo o que não sou e a energia que me conduz às realizações. “Viver ultrapassa todo e qualquer entendimento”. É
complexo.
Assim, a escolha que faço é pela a alegria, já que a tristeza também é da condição humana. Busco a alegria ao compreender o que não compreendia; a alegria de poder pensar melhor,, de ir além para provocar um sorriso; o desejo de mais, e esse mais talvez seja o que ainda não está presente.
Portanto, permito-me na alegria. Alegro-me com o que já está presente em mim, e depois de uma conquista alegradora, tenho você para comemorar, pois se assim não fosse, a alegria morreria asfixiada pela solidão! Ora, a alegria que você acende em mim, está à minha volta. Ela pode durar um pouco mais, pois o gosto da felicidade se sente a cada instante.
E porque falar de alegria? Porque não serei eu a promover a minha própria tristeza ou a de outrem. Assim, me deixo levar por minhas ideias, meus sentimentos e percebo que posso ser a causa de sua felicidade, mesmo que por um segundo, assim como você tem sido a causa da minha alegria em instantes! Penso que esta é a meta que vale a pena perseguir: amar e se alegrar.
Amor é desejar. O desejo é a energia que eu e você disponibilizamos para busca de algo. Logo, amo o que desejo. E o que desejo é o que não tenho, pois o que já tenho pode ser entendido como o que está presente e me causa alegria.
Eu me vejo e descrevo meu movimento como um deslocamento constante a atravessar fronteiras. Estou aqui a me observar do lado de dentro e do lado de fora. Eu sou ela, a menina, a mulher que diante de meus olhos e dos seus olhos, começa a tecer um lindo diálogo, inflamado de bem querer, mas, com questionamentos sem respostas concretas, apenas o lúdico saltando para aquele instante de reflexão.
O que dizer sobre o que sinto agora? Tantas coisas que às vezes é difícil nomear. Mas, ainda há um jeito de lidar com tudo isso! É tentar organizar em palavras o turbilhão que se apresenta, fazendo-me compreender que a vida não é linear, e que de fato não temos controle de coisa alguma... E porque não temos controle, não há que existir culpa, mas, compaixão em entender limites e dificuldades, as nossas próprias e as do ser amado.
Há coisas em que me detenho a perguntar se é permitido sentir, viver sob a égide da paixão! Ora a paixão, essa emoção intensa, esse entusiasmo que atravessa os meus sentidos, e isso não é em parte sem sofrimento. Sim! Não faço a escolha de me apaixonar, mas, de repente quando me dou conta já estou tomada por essa emoção que me faz ver beleza no existir, que estremece minha estrutura, que me acelera o coração, que rouba meus pensamentos e meu sono, que me traz inquietações e estranhezas. Porém, nem tudo é agitação, ela também me equilibra, traz alegria que me faz flutuar, me inspira e me faz sentir a vida intensa, abraçando-me e sorrindo pra mim.
E outra vez me coloco a perguntar: como é este acontecer? Começa pelo olhar, em um sorriso descontraído, que em um só instante brilha na face e faz tudo melhorar. Acontece quando as mãos se tocam, quando os passos são errantes pelo afã do desejo. Quando a gentileza é presente e o cuidado constante. A sutileza dos gestos, a disponibilidade para se debruçar com atenção sobre o que está a se revelar, o nosso sentido, enquanto nos alternamos entre um diálogo sem fim, desenhado de afeto, de interesse genuíno, e que faz conhecer e sentir o que nós expressamos.
Quando o som de sua voz chega como melodia aos meus ouvidos, e faz este instante se transformar em poesia! O jeito atrapalhado, das coisas desencontradas que nos fazem rir a valer e que de alguma forma adornam cada tempo em que apreciamos a oportunidade de degustar a presença refrescante um do outro, talvez como um suco de melancia bem gelado (risos). Acontece quando o aroma dos cafés fazem um desenho diante de nós. Daí o prazer é certeza que dará seu tom e fará com que a vida seja um pouco mais leve. Sem mais elaborações, viver é isto! É estar presente!
O que sinto é sua delicadeza em me tratar tão bem, em me fazer sentir que sou importante e que sou aceita assim como sou. Isso é sintonia fina! É assim que me apresento diante de você, com delicadeza e cuidado. Amar também é cuidar. É compreender e aceitar. Isso é confortável, pois não é preciso subterfúgios para estar em nossa presença. Os acontecimentos se dão poeticamente, na medida do ser e do mundo de cada um de nós! Não somos perfeitos! Somos humanos. Porém, esse modo de acontecer nos dá a ideia do que seja a perfeição...
É certo que em cada tempo, você se transforma tanto quanto eu estou a me transformar. É impossível que o encontro não se estabeleça em transformações, pois ao compartilhar experiências, ampliamos a consciência sobre o que pensamos ser ou pelo menos para onde desejamos estar. Isso ganha aos poucos um novo espaço; isso se inscreve historicamente nos registros dos sentidos, nas memórias, nas sensações.
O que mais dizer? Você percebe a sonoridade da minha voz que de cores monocromáticas vai ganhando um colorido especial, quase invejável, como as cores do arco-íris, o arco da promessa para evocar o sagrado! Por todos estes elementos, não seria diferente voltar-me aos escritos de Clarice Lispector que tão profundamente nos fez saber que “suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir de entrar em contato. Ou toca ou não toca.”
Então,
sei que me sentes e que te sinto, pois somos capazes de tocar nossa alma, a que você está a descobrir! E como a tua é linda! Então escrevo. Surgirão contos e narrativas como em Sherazade, que
certamente alegrarão nossos tempos!
Texto: Mirian Lopes
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