COMPOSIÇÃO

Acordou cedo. Dirigiu-se para sua ampla sala com grandes janelas envidraçadas, onde a luz do Sol brilhava todas as manhãs. Sentou-se à mesa, pegou no lápis e começou a riscar na pauta, o ritmo da canção que estava a compor. Estava a mudar as nuances.

Começou com movimentos alegres e logo inseriu uma pausa. Estava a refletir sobre a vida. Queria entender o que havia vivido. Algumas respostas, talvez encontrasse, porém, outras, na eternidade. Quem sabe? Partilhava suas descobertas, seus sentimentos, suas criações e seus sonhos, com os pássaros que vinham até sua janela.

Havia um passarinho entre os outros, que amava gorjear para o compositor, a demonstrar seu acolhimento, seu entendimento e sua alegria. Todavia, ele, por vezes, se irritava com o seu cantar, pois o achava repetitivo. O simples passarinho não imaginava que estivesse a ser repetitivo! Apenas queria alegrar o compositor com sua presença! Então, continuava a cantar e a voar sobre sua cabeça. E o cenário era o contorno: os pássaros, o compositor e a canção que ainda iria surgir.

Os pássaros cantam. Os compositores compõem. E a canção pode ser ouvida. A vida ensina que podemos ser melhores do que ontem, e os fatos, ainda que incongruentes ou sem significado palpável expressam a magia de estar aqui. A canção se constrói em várias mãos por seres presentes e especiais.

O que valorizas é o que terá importância. O que sentes e o que fazes com o que sentes em tua existência é o que definirá qual será a melodia, o ritmo e a harmonia únicas da composição. Qual é o ritmo desta canção que estas a compor agora?

Não existem repetições. Existe a comunicação das almas. Existem possibilidades de vir-a-ser no mundo. Ainda que a dor queira se fazer lembrar lá dentro da alma do artista, a beleza existe no movimento da vida. O compositor continuou a compor e o pássaro a voar a cantar em sua janela. E o Sol continuou a brilhar…


Texto e fotografia: Mirian Valente

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